Nara Baré fala sobre o movimento indígena e a XII Assembleia da COIAB

Encontro aos 30 anos da entidade reforça a necessidade de união, as estratégias contra os desmontes e ameaças do atual governo contra o meio ambiente e os povos e o empoderamento da mulher indígena.

Entrevista por Raíssa Galvão, edição por Mariane Thiesen Rech e fotos por Felipe Beltrame para Brigada NINJA Amazônia.

Em 29 de setembro de 2019 aconteceu a XII Assembleia da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). A Brigada Ninja foi até lá conversar com Nara Baré, do povo Baré do Alto Rio Negro, Noroeste do Estado do Amazonas, fronteira com Colômbia e Venezuela, primeira mulher eleita para o cargo de coordenadora geral da organização, em 2017, na terra indígena do Alto Rio Guamá.

O local da assembleia foi a Aldeia de Vila Betânia, onde vivem cerca de 4 mil indígenas do povo Ticuna, povo que segue mantendo sua língua e tradições originárias, uma vez que 95% deles não entende a língua portuguesa. A assembleia teve a participação de lideranças de 9 estados do Amazonas, além de convidados especiais. O momento foi de reflexão sobre a atual conjuntura que os povos indígenas vêm passando, mas também de pensar estratégia, enquanto movimento indígena e COIAB, para fortalecimento da linha de frente juntamente com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e com a Coordenação da Bacia Amazónica (COICA).

Os dias 27 e 28 de setembro de 2019 foram reservados para uma assembleia extraordinária para discutir e aprovar a reformulação do estatuto, tendo em vista que a COIAB, apesar de ser uma organização indígena, é também uma organização da sociedade civil, e na atual conjuntura da política brasileira, todos corremos riscos. A essência dos povos indígenas está ameaçada, por isso a importância de um fortalecimento institucional.

É preciso potencializar a unificação o movimento indígena, interna e externamente. Internamente, de indígena para indígena, é preciso estimular a rede COIAB com suas organizações de base, cada uma de suas 9 organizações estaduais, de forma que seja possível garantir, contemplar e respeitar a diversidade organizacional de cada povo. Externamente, é preciso reforçar a relação com os demais parceiros aliados, a relação com os demais povos indígenas Brasil e do mundo e analisar de forma conjunta as estratégias quanto a defesa de território.

Atualmente, estamos sob a mira de um governo fascista, preconceituoso e anti indígena. Hoje, o inimigo tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Enquanto ainda era candidato, afirmou com todas as letras que se eleito fosse, não demarcaria mais nenhum centímetro de terra para os indígenas. E apesar de vivermos em uma democracia, o Presidente do país não respeita a constituição e tampouco o povo brasileiro, em especial, os povos originários do Brasil”, diz Nara Baré.

A assembleia também foi um momento especial para fazer uma reflexão acerca dos 30 anos de COIAB e de tudo que se passou nesse processo de afirmação e resistência dos povos indígenas. Também ficou um convite para que as novas lideranças, a juventude, os mais velhos e os que ainda estão por vir participem da luta e ajudem a continuar escrevendo essa história. 

Acerca das ameaças e ataques que os indígenas vêm sofrendo, Nara Baré afirma que, embora Jair Bolsonaro seja um inimigo declarado e não respeite a Constituição Federal de nosso país, as ameaças já existiam, tendo em vista que o Estado sempre tentou dividir os povos e colocá-los uns contra os outros. Todavia, a Amazônia nunca esteve tão ameaçada quanto hoje, e as consequências são sentidas tanto na Mata Atlântica quando nos grandes centros urbanos.

Ademais, a Amazônia, neste ano, pegou fogo, literalmente. Antes dessa tragédia tomar a proporção que tomou, o governo vinha tentando, de forma ilegal, passar leis que legalizassem a mineração em terras indígenas, bem como, que diminuíssem a demarcação das terras. A questão é que apesar de tudo isso, o mundo só ouviu o pedido de socorro dos indígenas quando São Paulo escureceu em pleno dia. “Foi preciso que uma grande metrópole escurecesse ao meio da tarde para que o mundo parasse e olhasse para o que estava acontecendo com nossa floresta e só então direcionasse sua atenção para esta tragédia”. 

Os indígenas estão há 519 anos sendo resistência. Quando o presidente afirma que há muita terra para pouco índio, Nara Baré deixa claro que estes povos originários não são índios, mas sim Barés, Guajajaras, Tiryós, são diversos povos indígenas. Índio foi apenas o termo usado pelos invasores ao chegarem ao Brasil, mas não é o correto.

É preciso que neste momento povos indígenas e não indígenas se unam pela preservação da casa comum de todos, a Amazônia. É preciso, também, lembrar que não somos apenas um povo brasileiro, mas sim, 520 povos. A Amazônia brasileira é o único local do mundo com mais de 112 referências de povos em isolamento voluntário e nós, enquanto cidadãos e organizações, temos o dever de proteger e respeitar a forma de viver livre desses povos. Precisamos parar de ignorar a existência dos povos em isolamento.  

Ao ser perguntada sobre os conflitos latentes que estão ocorrendo nesse momento, Nara Baré afirma que desde o dia 28 de outubro de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito Presidente da República, os povos indígenas vêm sofrendo ataques. Em menos de um ano, já ocorreu muita destruição e devastação. O território Yanomami sofreu uma invasão de mais de 200 garimpeiros. Em agosto de 2019 a Polícia Federal, juntamente com as Forças Armadas, queimou mais de 50 balsas de garimpo nos Solimões, dentro do vale do Javari, onde há o maior número de povos isolados do mundo. O povo Guarani Twau, por sua vez, sofreu ataques com balas letais em seu território no Mato Grosso do Sul. 

Outro ataque que os povos indígenas sofreram neste ano ocorreu na calada da noite do dia 01 de janeiro, quando, através de Medida Provisória, foi retirado da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) o processo de demarcação de terra e transferido para o Ministério da Agricultura.

A verdade é que o Brasil nunca teve tanta violência quanto hoje, na mesma medida que nunca teve um Presidente tão sem postura de Chefe de Estado. Acerca disso, Nara Baré diz:

“nós fomos chamados de selvagens, nós fomos chamados de incapazes, de bugres, mas quem realmente tem essa postura? Não somos nós”.

Para além da violência nos territórios, as lideranças, sejam elas indígenas ou de direitos humanos, nunca foram tão ameaçadas quanto atualmente. Os assassinatos de defensores da existência de seus territórios e da existência de suas vidas estão cada vez maiores. É este o Brasil que queremos estar? Com certeza não é o que a COIAB quer estar. Por isso, a luta continua.

Ocorre que, toda essa crueldade é disfarçada em um discurso que fala sobre o bem da humanidade, bem da nação e Soberania Nacional. Ocorre que, nenhuma soberania nacional pode ser maior do que o direito que os povos indígenas possuem de viver da forma que quiserem, onde quiserem e de terem seus costumes e tradições respeitados, por todos.

Ao ser questionada acerca das lideranças da base e sobre o fato de terem sido o primeiro movimento a enfrentar o presidente Jair Bolsonaro, Nara Baré responde que, historicamente, um povo indígena não sabia da existência de outro povo ou, se sabia, havia muita rivalidade. Mas na medida que as coisas foram evoluindo, ainda no período pré-constituinte, os povos indígenas perceberam que era preciso se unir. Dessa forma, tiveram que aprender a língua portuguesa para poder expor para o mundo ocidental suas lutas, reivindicações e resistência. Os povos indígenas vivem em comunidade. Por mais diferenças que um povo possa ter do outro, na hora da dificuldade, há uma união e a luta é conjunta. 

Dessa forma, nascem as organizações indígenas, e a própria COIAB, para que seja possível a existência de um elo de diálogo entre o movimento indígena e o Estado, com uma política pública efetiva para uma melhor qualidade de vida nos territórios indígenas. É preciso lutar pela demarcação de terra, por uma saúde diferenciada e uma educação igualmente diferenciada, de forma que se tenha respeito pelas diferentes formas de se viver, diferentes costumes e tradições.

Por fim, Nara Baré, questionada sobre o empoderamento da mulher no movimento indígena e sobre como estão ocupando espaço, tendo como exemplo a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas que aconteceu em agosto deste ano, lembra que antigamente, apenas os homens saíam para enfrentamento. Por uma questão de proteção, mulheres e crianças não acompanhavam, mas isso mudou. Atualmente, a mulher não pode ficar de fora, de braços cruzados. Mas é importante frisar que quando a mulher vai para o cenário do enfrentamento, não é para confrontar o homem, mas para trazer o lado feminino de ser mulher indígena, sua garra. A participação da mulher nos momentos de conflito também vem também do fato de não quererem mais ver seus companheiros lutarem sozinhos e não voltarem para suas casas. Querem ganhar visibilidade na luta e somar forças.

 A luta da mulher indígena é não é para hoje, mas para amanhã. É pelos seus filhos e por todos que ainda virão.

Nara Baré deixa ainda o seguinte recado para a sociedade brasileira e povos indígenas do Brasil e do mundo: “não é fácil e nunca foi fácil, mas com força e garra, nós, povos indígenas, seremos resistência para sermos existência, pois somos como o bambu, que enfrenta inúmeros vendavais, que enverga, mas nunca se curva e nunca se quebra perante um governo fascista, mentiroso e vergonhoso. Venha junto para a luta.”

 

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